O vinho e os Deuses, uma vez mais
Recentemente, deparei com um exemplar de um caderno editado
e produzido pelo IVV – Instituto do Vinho e da Vinha, em 1999 e que me chamou a
atenção pelo seguinte verso de Miguel Torga:
“Vinde à terra do vinho, deuses novos
Vinde, porque é de mosto
O sorriso dos deuses e dos povos
Quando a verdade lhes deslumbra o rosto”.
“Vinde à terra do vinho, deuses novos
Vinde, porque é de mosto
O sorriso dos deuses e dos povos
Quando a verdade lhes deslumbra o rosto”.
Bastaram dois ou três parágrafos para perceber que o tema
central desse caderno não era a religiosidade e misticismo do vinho, como
inicialmente pensei, mas uma pequena história da vinha e do vinho em Portugal.
O caderno, que pode ser lido na íntegra em "A vinha e o vinho em Portugal" tem interessantes passagens, que sumarizo neste post.
História da vinha e do vinho foi feita por vários povos
Verdadeiramente o caderno de apenas 19 páginas, escrito em
português, inglês e francês, mais não é do que uma breve história da vinha e do
vinho no território hoje designado Portugal, desde 2000 a.C., até aos nossos
dias.
Os Tartessos, cerca de 2000 a.C., terão sido os primeiros a cultivar a vinha na
Península ibérica e poderão ter usado o vinho como moeda de troca no comércio
de metais, os Fenícios apoderaram-se do comércio dos Tartessos e podem ter
trazido novas castas, os Gregos desenvolveram a viticultura, os Celtas
trouxeram novas castas e provavelmente técnicas de tanoaria, os Romanos terão
modernizado a cultura da vinha e massificado a sua exportação para Roma, mesmo
os Árabes foram tolerantes para com o consumo e produção de vinho, pelos
cristãos, sendo essa uma forma de os ver ligados à agricultura.
O caderno do IVV, mostra-nos, caso não soubéssemos já, que
todos os povos que ao longo dos tempos foram passando por este território,
acabaram por ter papel importante na história da vinha e do vinho, contribuindo,
todos eles, directa ou indirectamente, para a sua expansão.
Com a Fundação de Portugal os vinhos passaram a ser mais
conhecidos na Europa
Seguindo o caderno do IVV, após a Fundação de Portugal, manteve-se
a importância do vinho, tendo sido arroteadas largas extensões de terreno para
cultivo da vinha pelas Ordens religiosas, militares e monásticas, tendo sido
nesta época que os vinhos de Portugal passaram a ser conhecidos por toda a
Europa.
A reconquista cristã, a relativa paz que se seguiu e algum
prestígio granjeado pelos portugueses, terá tornado mais fácil a circulação do
vinho pela Europa, tendo-se aumentado o número de consumidores de vinho desta
região.
Descobrimentos portugueses e o envelhecimento do vinho
Durante os descobrimentos, um dos produtos que as naus
transportavam era o vinho, usado para consumo, troca e lastro, tendo este facto
originado o vinho de “Roda” ou “Torna Viagem”, designações que hoje fariam
sucesso em qualquer campanha de marketing de vinhos dos nossos produtores.
O caderno do IVV, refere que este vinho, que vinha
substancialmente melhorado pelo envelhecimento suave provocado pela dupla
passagem pelo Equador e pela permanência nas barricas, vendia-se a preços elevados
e terá estado na origem do conhecimento empírico do envelhecimento.
Tratado entre Portugal e Inglaterra aumentou a exportação
Em 1703, Portugal e a Inglaterra assinaram o Tratado de
Methwen, que regulamentou as trocas comerciais entre os dois países, facilitando
a entrada em Inglaterra de vinhos portugueses, por troca de têxteis produzidos
naquele país.
Independentemente das restantes consequências para Portugal,
no que diz respeito ao vinho este tratado acabou por ser benéfico, contribuindo
fortemente para o aumento da sua exportação.
Marquês de Pombal na origem da primeira região demarcada
Interessante também o papel do Marquês de Pombal na história
da vinha e do vinho, tendo contribuído para mais um campo em que fomos
pioneiros, apesar das razões porque o fez serem maioritariamente
proteccionistas.
Em 1756 o Marquês de Pombal criou a Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro, demarcando aquela região, tendo sido esta
a primeira região demarcada oficialmente no mundo vitivinícola.
Escolho "vinhos portugueses"
A riqueza e diversidade de vinhos produzidos em Portugal, a
sua superior qualidade e competitividade, faz com que hoje em dia seja fácil
encontrá-los em qualquer país do mundo, o que me enche de orgulho.
Assim, a minha escolha neste post não aponta para nenhum
vinho em particular, como tem sido a prática, mas, em homenagem à sua história, para os vinhos de uma região:
Portugal.
Proponho pois um brinde aos vinhos portugueses e a todos
aqueles que ao longo dos tempos contribuíram para que o vinho desta região tenha
sido sempre considerados um dos mais prestigiados do mundo.
À vossa saúde!
VL
Outubro | 2013
Ao ler este artigo sobre a vinha e o vinho em Portugal e a influência dos vários povos na sua história, lembrei-me de um soneto de Jorge Luís Borges, intitulado “Soneto do Vinho”, onde o autor também se interroga: “Em que reino, em que século…?” Bom, transcrevo-o:
ReplyDelete“Soneto do Vinho, de Jorge Luís Borges
Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjunção dos astros, em que dia secreto
Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa
E singular ideia de inventar a alegria?
Com outonos de ouro a inventaram.
O vinho flui rubro ao longo das gerações
Como o rio do tempo e no árduo caminho
Nos invada sua música, seu fogo e seus leões.
Na noite do júbilo ou na jornada adversa
Exalta a alegria ou mitiga o espanto
E a exaltação nova que este dia lhe canto
Outrora a cantaram o árabe e o persa.
Vinho, ensina-me a arte de ver minha própria história
Como se esta já fora cinza na memória.”
JB
Agradecemos o contributo e a atenção que tem tido em relação ao nosso blogue.
DeleteInteressante a forma como poetas de referência tratam o tema que nos apaixona, como é o caso do português Miguel Torga e do argentino Jorge Luís Borges.
O vinho é verdadeiramente património mundial da humanidade!
À sua saúde
VL