Sunday, November 24, 2013

Os rótulos das garrafas de vinho e os consumidores

Rótulo e contra rótulo

Quando se fala de vinho é comum vir ao diálogo, o rótulo e o contra rótulo.

Não só entre nós mas, de uma forma generalizada por todos os países produtores (e consumidores) de vinho, trata-se de um assunto com alguma controvérsia, especialmente no que os mesmos devem conter, em termos de informação ao consumidor e do que é incluído, não raras vezes, apenas como instrumento de força de venda, sem o cuidado em prestar a informação adequada e correta.

Paralelamente, trata-se de um componente da garrafa que merece grande atenção dos produtores e designers, pela influência que pode vir a ter no resultado da venda.

Muito se tem falado acerca da seriedade – ou falta dela – do que os rótulos e contra rótulos nos costumam mostrar ou, pelo menos, nos deveriam colocar à disposição em termos de informação. Experimente-se, por exemplo, a escrever “rótulo e contra rótulo” no Google e surpreendem-nos uns cerca de 25 milhões de resultados.

Tipos de rótulos

Poder-se-ão considerar três módulos informativos, mais ou menos distintos, no conjunto de rótulos das garrafas de vinho: o rótulo propriamente dito, colocado no que se considera ser a parte da frente da garrafa, o contra rótulo (um rótulo menor, normalmente 1/3 do principal), colocado na parte inversa e o chamado “rótulo de gargalo”, uma etiqueta em volta do gargalo, normalmente indicando apenas a safra e, geralmente, o menos considerado.

Dependente do país de origem, do produtor, do designer, da moda ou corrente dominante, enfim, dos mais variados gostos e interesses, os vários rótulos apresentam-se bastante distintos, tendo em conta as principais funções a que se destinam: informar o consumidor e atraí-lo para a compra.

Com a sua origem e difusão a partir de meados do séc. XIX e tendo uma ascensão ligada, não só, a aspetos de ordem social e económica mas, também, ao surgimento de colas suficientemente fortes para a sua fixação, atualmente proliferarão por todo o planeta milhões de rótulos dos mais diversos feitios e estilos, com as mais variadas formas geométricas (desde o redondo ao quadrado), tamanhos e beleza. 

Se, dantes, a garrafa e o rótulo surgiam apenas em condições especiais, em vinhos especiais, para pessoas especiais, hoje são dois componentes tão importantes e decisivos na relação entre o produtor e o consumidor, talvez como o próprio vinho ou, ate mesmo, ainda mais importante.

O que devem conter e o que poderiam dispensar

Para além do que está regulamentado nos vários países produtores de vinho, não são raras as vozes que se têm pronunciado em favor do que os rótulos devem conter e do que se poderia evitar que tivessem. 

Hoje existem normas de rotulagem dos vinhos na União Europeia, variando o seu conteúdo de acordo com o tipo de vinho: branco, rosé ou tinto. Quanto ao açúcar, “seco, meio-seco, meio doce e doce”. No caso dos espumantes, também, brancos, rosés e tintos mas, em relação ao açúcar, “bruto natural, extra bruto, bruto, extra seco, seco, meio seco e doce. Contudo, cada um dos países produtores deverá ter organismos próprios para regular e fiscalizar o conteúdo dos rótulos. Em Portugal são as comissões de viticultura.

O Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) disponibiliza, no seu site, informação sobre o que deverá constar nos rótulos, como “menção obrigatória” (marca, designação do produto, indicação de proveniência, referência ao engarrafador, volume nominal, título alcoométrico volúmico adquirido, referência ao lote e sulfitos) e como “menção facultativa” (referência à cor e utilização de pictograma). Clarificação idêntica é feita pela Infovinhos, também no seu site.

O útil e o dispensável

Informar o útil e tudo o que se pretende, obedecendo a regulamentações impostas e a uma estética que agrade ao consumidor, num espaço tão reduzido, implica arte e um considerável profissionalismo imposto pelos inúmeros designers.

É mais ou menos do senso comum que o conteúdo que essa família rótulo / contra rótulo deverá conter, terá por base uma informação correta e adequada para que, quem escolhe o vinho, possa saber, com a maior precisão possível, o que vai de facto ingerir, e em que condições preferenciais o poderá ou deverá fazer. No essencial, distinguir o que são conselhos úteis do que são meros trechos publicitários sem importância, com vista apenas à compra por parte do consumidor.

Entende-se informação útil e razoável, saber-se a proveniência ou zona de origem do vinho, as castas de fabrico, o produtor, o enólogo responsável, o ano da produção, os níveis de graduação alcoólica, para além de informações de índole técnico, como sejam, “valores analíticos”, “produtos adicionados”, “certificação orgânica” ou, até mesmo, processos de fabrico e envelhecimento ou estágio e, já mais discutível, sugestões de iguarias com que melhor poderá combinar, ou quando e como o vinho deve ser consumido. Tudo isto apresentado com clareza e pragmatismo informativo.

Papa Figos - Vinho Tinto da Casa Ferreirinha
Mas, inúmeras vezes, as informações prestadas não são mais do que meras intenções de persuasão do consumidor, desnecessárias, sem interesse, totalmente inúteis e, em alguns casos, mais a raiar o círculo da desonestidade. 

Luís Lopes, editor da revista de Vinhos em Portugal, num dos seus editoriais há cerca de quatro anos, retratou de forma muito interessante e com alguma ironia humorística, alguns tipos dessa mais desinformação que informação, contra rótulos que ele próprio classificou por temas, tais como: os “auto avaliativos”, de “falinhas mansas”, os “gastronómicos”, os “tecnológicos”.

Papa Figos não é só nome de uma ave de cores vivas

Já que hoje, a acompanhar umas sardinhas portuguesas ao almoço, me calha um “Papa Figos”, Douro tinto 2011, da Casa Ferreirinha, nem me vou preocupar com o que diz o tal de contra rótulo. Apenas vos faço um brinde com o desejo de que, enfim, os produtores, por esse mundo fora, continuem a respeitar o consumidor e nos vão fornecendo informações adequadas e úteis.

À vossa saúde!

JB

Principais fontes:

Monday, November 18, 2013

Angola: vinhos portugueses fáceis de encontrar

Uma viagem até Calulo

Numa visita de trabalho, deslocámo-nos recentemente a Calulo, uma pequena vila no interior de Angola, na província do Kuanza Sul, sede do município do Libolo.

Uma vila muito curiosa e interessante que se ergue a uma altitude que ronda os 990 m, no meio de um amontoado de serras que se elevam da planície litoral, numa paisagem tortuosa, de “ravinas e algares, boqueirões e lombadas, encostas de curva longa e larga e vertentes de corte a prumo, numa desvairada arquitetura, plurimórfica, impressionante, esmagadora.”

Descendo os degraus dessa escadaria de montes e colinas, até à planície, abraçam-na as margens do Kuanza, do Longa, do Luima e do Luinga.

Vale a pena visitar, dentro da vila, a famosa Fortaleza de Calulo, construída em finais do século XIX pelos colonos portugueses, como meio de defesa contra a resistência dos nativos locais à ocupação. Já depois da independência de Angola, serviu de refúgio defensivo às forças detentoras do poder na região. 

Também deve visitar a montanha Quiliematogi, que com os seus 1040 metros, oferece uma extraordinária panorâmica a todos que a sobem.

Vinho tinto da Quinta das Tecedeiras, uma boa companhia

Fazendo honra ao ditado “quem vai para o mar, avia-se em terra”, não quisemos arriscar, não fomos de mãos a abanar, e levámos connosco o Quinta das Tecedeiras. Um tinto do Douro, Reserva 2007. 

Talvez só o nome pudesse ser suficiente para quem está familiarizado com os bons vinhos tintos do Douro. No entanto, nada nos custa olhar o contra-rótulo e deixar aqui alguma informação mais. É que, se formos só nós a dizer que este vinho é uma excelente escolha, poderiam ficar algumas dúvidas.

Está escrito, que a Quinta das Tecedeiras, situada no coração do Douro e banhada pelo rio do mesmo nome, “é o «terroir» quase perfeito, com que todo o enólogo sonha para fazer o grande vinho. Aí, as uvas amadurecem bem, sem moléstias e com grande concentração de aromas e de sabores.”

Aproveitou bem o enólogo Carlos Lucas que nos apresenta, assim, um vinho que faz honra à importância das vinhas velhas, com cerca de cem anos, e mantidas na altura da reconversão das vinhas da quinta, já com o propósito de se virem a fazer vinhos especiais, como é o caso deste. 

De muitas castas, dominam a Touriga Nacional, Tinta Roriz, Tinha Barroca, Touriga Franca e Tinta Amarela.

Do produtor Quinta das Tecedeiras – Sociedade Vitivinícola, Lda. (Dão Sul), um vinho com um teor alcoólico de 14,50%, e que, segundo alguns entendidos, pode ser guardado por mais 10 anos. Ainda pensámos se o bebíamos logo ou o guardávamos, para ver como ele se comportaria ao fim de mais todos esses anos.

Mas, como pensamentos leva-os o vento, bebemo-lo, antes que fossemos apossados por essas ideias algo colecionistas, nada favoráveis aos nossos desejos, e com bastante pena de não termos levado umas garrafas mais.

A surpresa que já não é surpresa

Não levámos mais Quinta das Tecedeiras mas, agradavelmente, encontrámos o que já começa a ser normal, nestas viagens por Angola.

Numa curta visita apenas a dois dos muito poucos restaurantes da vila, encontrámos um interessante catálogo de vinhos portugueses.

Do Alentejo, os tintos Cartuxa e o E.A. 2011, o tradicional Reguengos, o Tapada dos Ganhões 2010, o Alabastro 2011 e o Monte Velho 2010. Ainda do Alentejo, um branco muito agradável, o Ardila 2009, da Herdade dos Arrochais. 

Também do Douro, o tinto Evel 2007, o branco Filoco 2010 e um Ferreira Porto Ruby. Ainda os verdes, Casal Garcia e Gazela. De Azeitão, o JP tinto 2012 e o Periquita tinto 2009.

Até o já aqui falado Sexy, produção Fita Preta. Se surpreendeu o VL, numa “visita a lojas de vinho para descontrair” (seu post de setembro / 2013), o que diremos nós, ao encontrá-lo nesta pequena vila no centro de Angola?

Talvez nada de especial, se tivermos em conta que, como espumantes, estava, não só o sul-africano J.C. Le Roux, mas o mundialmente famoso Moët Chandon.  

Em Angola produz-se vinho?

Se, o encontrarmos vinhos portugueses em qualquer lugar de Angola onde vamos começa a não ser surpresa, descobrir que em Angola se produz vinho, já poderá ser.

Nada ainda certo, mas acabámos por saber que a cerca de 40 minutos de onde estávamos, de carro, é claro, existe uma fazenda com produção de vinho. 

Será? Uma descoberta que fica para a próxima oportunidade. Produção de vinho em Angola?! Iremos procurar.

Como despedida, aconselhamos: não acreditem em nós. Procurem o tal Quinta das Tecedeiras e façam um brinde a valer.

À vossa saúde!

JB

Novembro | 2013

Friday, November 15, 2013

Dicas, para iniciados, na combinação de vinhos com comida

Simplificar a escolha

No post anterior "Porque pode haver diferenças no consumo de um vinho", já abordámos algumas questões relacionadas com as ideias que aqui vamos deixar e que esperamos possam ajudar os iniciados a escolher o vinho adequado para uma dada refeição.

O nosso objectivo é simplificar tanto quanto possível a tarefa, sem preocupações de profundidade ou erudição, apontando para aquilo que genericamente é aceite, pela maioria dos especialistas, como regras a observar.

O mesmo adjectivo, a mais simples das regras

Uma regra, que pode facilmente memorizar, é a de que se puder aplicar o mesmo adjectivo para qualificar a comida e o vinho, estará provavelmente a fazer a combinação acertada. Como exemplo, se o vinho é forte e a comida também, então a combinação será naturalmente adequada.

O problema aqui será qualificar o vinho, já que com a comida temos uma maior experiência e mesmo sem a vermos, sabemos logo se é leve, pesada, doce, amarga, salgada ou picante, devendo a combinação fazer-se com a predominante.

Assim, para quem não tem experiência na degustação de vinho, vamos tentar dar algumas pistas, partindo das castas mais comuns em Portugal, para conseguirmos um efeito semelhante, reduzindo, drasticamente, as combinações a memorizar.

Problema com a identificação das castas

O problema com as castas é que elas podem ter diferentes designações, de acordo com as regiões, ou países, o que dificulta muito a tarefa de quem está a tentar fazer a interpretação.

A título de exemplo, a casta Tinta Roriz, pode ser também denominada em Portugal por Aragonês e em Espanha por Tempranillo. Algumas castas, como a Pinot Grigio, terão dezenas de designações e até a muito portuguesa Touriga Nacional, é também conhecida, entre outras, por Tourigo Antigo e Tourigo.

Dificuldade acrescida com os vinhos de lote

Embora sejam cada vez mais frequentes os vinhos feitos com uvas de uma só casta, normalmente um vinho é produzido a partir de várias castas, o que acrescenta dificuldade a este processo, por mais que gostássemos de o manter simples.

Acresce que algumas castas não têm praticamente nenhuma versão de vinho monocasta, uma vez que são usadas, quase exclusivamente, para combinar com outras, produzindo vinhos mais equilibrados.

Apesar de todos os problemas e com todo o cuidado que merecem as nossas dicas, acreditamos que podem ser úteis aos iniciados, pelo que as passamos a apresentar.

Sugestões de combinação de castas e comidas

Exemplos para vinhos brancos:

  • Champanhe (salgados; aperitivo)
  • Pinot Grigio (pratos de marisco leves; aperitivo);
  • Chardonnay (peixes gordos; marisco com molhos trabalhados com manteiga);
  • Alvarinho (frutos do mar; mexilhões; polvo; bacalhau);
  • Arinto (carnes brancas; marisco);
  • Encruzado (marisco; risotos; peixe).

Exemplos para vinhos tintos:

  • Malbec (suficientemente encorpado para comidas muito picantes, feitas no forno ou grelhadas; carnes vermelhas; costeletas de carneiro);
  • Pinot Noir (pouco encorpado, mas cheio de sabor, combina com pizzas; sabores da terra, como cogumelos e trufas);
  • Cabernet Sauvignon (carnes vermelhas, não excessivamente passadas; pastas; queijos com sabor forte);
  • Syrah (comida picante; grelhados apaladados);
  • Castelão (carne assada no forno; comida picante);
  • Tinta Roriz (grelhados; carnes vermelhas e vegetais);
  • Touriga Nacional (carne de vaca; bife; outros pratos que fiquem bem com o seu normal gosto amadeirado);
  • Trincadeira (grelhados).

Conclusão

Esperamos que as dicas que apresentamos possam ajudar nas suas escolhas e contribuam para um melhor conhecimento sobre vinho e o seu consumo.

Lembramos que o seu gosto particular deve prevalecer, mesmo que contrarie as sugestões dos especialistas e que melhor do que uma adequada combinação de vinho com comida, é combinar os dois com as pessoas de quem gosta.

À sua saúde

VL

Novembro | 2013

Monday, November 4, 2013

José Guilherme, um vinho da Herdade dos Arrochais

Uma designação pouco comum para vinho

Num comentário a um antigo post deste blogue, um dos nossos seguidores e hoje blogger convidado, deu-nos nota de um excelente vinho branco, que consumia em Angola com alguma regularidade.

O José Guilherme, assim se designa, era um vinho que eu desconhecia, o que motivou a promessa de escrever um post sobre ele, mas apenas quando tivesse a oportunidade de o consumir.

Claro que não estava em causa duvidar da qualidade do produto, mas apenas aproveitar a oportunidade para alargar a minha cultura vinícola e cumprir com um compromisso que assumimos no blogue: não escrever sobre vinhos que não tivéssemos experimentado.

Será mais fácil de encontrar em Angola?

Coloquei o José Guilherme na minha lista de compras e solicitei ao grupo de amigos do blogue, que me desse pistas e a sua opinião sobre este vinho, tendo concluído que ninguém verdadeiramente o conhecia.

Como uma outra regra que temos seguido é a de não contactar directamente os produtores, a não ser quando estamos de visita às adegas, iniciámos o processo de procura do José Guilherme nos tradicionais locais de venda.

Apesar de admitir que nem todos tivessem tido um grande envolvimento na procura, o que é certo é que não havia meio de encontrar o José Guilherme, tendo o tema passado a ser motivo de conversa em todas os nossos encontros gastronómicos.

Foi pois com enorme excitação que recentemente recebi um telefonema de um amigo a informar-me que tinha na sua posse uma garrafa do vinho que eu andava a procurar e que estava na disposição de a partilhar comigo.

Por coincidência, tal acabou por acontecer num almoço de despedida de um familiar próximo, que irá passar os próximos meses em Angola, local onde provavelmente será mais fácil encontrar o José Guilherme.

Sobre o vinho e onde o adquirir

Sobre o vinho, confirma-se o que havia sido dito pelo nosso seguidor, trata-se de um excelente vinho alentejano, de 14º, da Herdade dos Arrochais, Amareleja, produzido à base das castas Antão Vaz e Arinto.

Quando perguntei ao meu amigo onde encontrou o José Guilherme e quanto tempo tinha levado até encontrá-lo, respondeu-me que perdera apenas alguns segundos porque o tinha encomendado pela internet.

Sinais dos tempos.

À vossa saúde!

VL

Novembro | 2013