Tuesday, September 3, 2013

Licores e vinhos açorianos

A magnificência da Terra


Enterram-se as garrafas de vinho com medo que as roubem. Ao fim de algum tempo desenterram-se a pensar que o líquido está estragado e, em vez disso, a senhora Terra devolve-o, mais saboroso e com características únicas, apenas por o ter mantido longe da luz solar e numa temperatura regular adequada.

Esta é boa! Já tinha ouvido dizer que há vinhos que até dão vida aos mortos, agora “vinho dos mortos”, essa nunca …

Desiludam-se aqueles que ainda pensavam que o mundo subterrâneo era apenas para sustentar o nosso peso e para servir de abrigo a alguns animaizinhos esquisitos, tal como as toupeiras e as minhocas, os ratos ou até mesmo os coelhos.

Aquela parte do subsolo que fez daquele vinho um líquido apreciado pelo mais comum dos mortais, faz parte duma biomassa subterrânea, com mais vida do que toda a superfície terrestre, talvez com mais do que duas centenas de triliões de toneladas de seres vivos e, dizem alguns, para além de ter, provavelmente, algumas das chaves para diversos mistérios da ciência.

Pudera! Uma massa com cerca 5,974 x 10 elevado a 21, toneladas, com um raio próximo dos 6.400 km, não era para menos! Só aqui tão perto, a cerca de 160 kms da superfície da Terra, já com uma temperatura que pode exceder os 1.200º C, se formam os tão desejados diamantes que tanta gente fascinam. A maioria deles, talvez, formados à milhões, ou até biliões, de anos. São velhos. Pois são. Mas são, entre muitas outras coisas, o mineral conhecido mais duro do planeta.

… E ainda há quem fale nos intra-terrestres, civilizações que, teoricamente, muito mais avançadas que a nossa desde há milhares de anos, habitariam o interior da terra, mesmo tendo em conta as condições extremamente adversas. Adversas para alguns de nós, é claro! O desconhecido é, normalmente, adverso.

O cozido à portuguesa de S. Miguel 

O que é que isto terá a ver com o vinho? Nada, nada mesmo. Só que ao ter lido que o interior da terra, na região de Bragança, tinha feito o tão afamado “vinho dos mortos”, lembrei-me dum prato típico português, mais propriamente açoriano, que é cozinhado dentro da terra: o cozido à portuguesa, da Lagoa das Furnas de S. Miguel, nos Açores.

Não vou dar receita nenhuma, porque podem procurá-la na internet ou, melhor ainda, irem lá prová-lo mas, para quem não sabe, no cozido à portuguesa feito nas Furnas de S. Miguel, metem-se todos os ingredientes normais do cozido dentro duma panela de alumínio, sem água, tapa-se atando a tampa às asas da panela, mete-se dentro duma saca, amarrada com uma corda comprida, introduz-se a panela numa caldeira natural da Lagoa, tapa-se a caldeira com uma tampa de madeira e depois com terra, deixando a corda de fora. Tudo fica a cozer com o calor do vulcão.

Bom, hoje é assim, porque antigamente os ingredientes eram metidos no interior duma galinha inteira, ficando apenas de fora o que não coubesse dentro dela. Ainda gostava de provar este!

Passadas entre cinco a oito horas, pode-se comer o cozido. Eu falei do cozido à portuguesa mas, para quem não gosta, tem mais algumas especialidades, tal como a caldeirada de bacalhau. Para se almoçar a horas decentes temos que nos levantar de madrugada. Tanto tempo à espera? Isso mesmo. E é aqui que entram os licores de S. Miguel, em primeira mão, e depois os afamados vinhos.

Licores e vinhos açorianos

Enquanto esperamos todo esse tempo pelo pitéu, podemos ir saborear alguns dos apetecidos licores caseiros da “Mulher de Capote e Ezequiel”, de S. Miguel (Ribeira Grande): de ananás, amora, banana, um licor ou brandy de maracujá, ou ainda um vinho abafado ou um licor de anis. Bom, mas se os de S. Miguel não chegarem, podemos provar ainda um Lajido do Pico. Porque não? Antes de almoço cai bem, um licoroso “que levou o nome da Ilha do Pico às mais requintadas mesas da América e da Europa, até à corte dos Czares das Rússias.” Está escrito nalgum lado.

Calma… Nada de abusos, porque o cozido à portuguesa deve estar pronto e agora vêm os vinhos. Alguns premiados! O suficiente por onde escolher e para muitos gostos: o Quinta de Jardinete 2011, um branco de Fenais da Luz (Ponta Delgada, São Miguel); o Insula 2012, um rosé de São Mateus (Madalena, Pico); ou alguns “brancos «exóticos», únicos de grande qualidade” de “castas nobres dos Açores: Verdelho, Arinto dos Açores e Terrantez do Pico”. Dessa ilha do Pico, um Terras de Lava, branco 2011; um Frei Gigante, branco 2011; ou um Muros de Magma, branco 2011.

Para os experimentadores ainda temos o “vinho de cheiro”, vinho sempre do ano.
Ficamos por aqui senão, daqui a pouco, não se sabe quem vai levar o carro até Ponta Delgada … É que, depois de se deliciar com uma boa fatia de ananás, ou um bem doce maracujá, para terminar a grande almoçarada, pode saborear um licor “Cappuccino”, à base de natas, a quem chamam o “Queen of the Island”, ou acabar com uma aguardente “Velhíssima”. Fim de refeição.

Tudo dos Açores. Desculpem-me, mas trabalhei nessas nove ilhas maravilhosas, nove anos (de 1998 a 2007) e das seis que eu conheço, é tudo bom.

A Lenda

A população tentou explicar as formações geológicas da ilha de S. Miguel feitas pelos vulcões e, por isso, a Lenda da Lagoa das Furnas. Reza a lenda que as pessoas da ilha acreditam que os aldeões que viviam no lugar que foi soterrado pelo vulcão, e onde é hoje a Lagoa, continuam a viver lá debaixo e que as borbulhas do gás vulcânico que sai da água, são eles a cozinhar lá no fundo. Será que é o lume que eles fazem que cozinham tão boa refeição? Ninguém saberá …

Este extraordinário planeta é mesmo uma enorme caixa de surpresas! Já ouvi isto nalgum sítio…

JB

Setembro | 2013

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